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                   DO IMAGISMO: a) ALEGORIAS;  b) DUAS FONTES DE IMAGENS: O VENTO E AS PLANTAS [NA POESIA DE CASTRO ALVES” 
                    
                                              Por  ANTONIO DE PÁDUA 
                    
                  Extraído de: 
                  PÁDUA, Antônio de.  Aspectos estilísticos da poesia de Castro Alves.   Rio de  Janeiro: Livraria São José, 1972.  75  p.  13x19 Cm. Índice: Advertência; I) Os  polos semânticos do vocabulário: palavras de clamor e de arrulho; II) Do  imagismo: a) alegorias; b) duas fontes de imagens: o vento e as plantas; III)  Matizes expressivos da repetição. Ex. col. Biblioteca Nacional de Brasília,  doação Marly de Oliveira.   
                    
                  a)      Alegorias 
                    
                  1.      É  inegável que alguns retoricistas modernos, alargando extremo o conceito de  alegoria, acabaram por torna-la (como diz Todorov num capítulo de La Litterature Fantastique) numa espécie  de “forre-tout”, de super-figura, na qual se enquadram quase todas as  construções linguísticas, cujo sentido literal apenas apresenta, de forma  simbólica e por analogia, uma realidade ou uma abstração. Não tenciono aqui  discutir o assunto; quero adiantar tão somente que essa confusão conceitual  talvez se explique por haverem dado o mesmo nome a dois processos artísticos  semelhantes, mas na verdade distintos; foi   que deu origem à existência de uma alegoria-figura, e de uma  alegoria-composição ou gênero, que pertence à literatura e também às artes  plásticas. 
           Neste  trabalho, é da primeira que trataremos, entendida consoante aquela definição de  limites mais claros que lhe deram os antigos, a saber: uma metáfora  desenvolvida, continuada; como a define, por exemplo, Hennequin em seu Nouveau Cours de Rhéthorique: “L´allégorie n´est que la metaphore soutenue  et continuée; la metaphore soutenue el continuée, la metaphore ne porte que sur  unmot, et ne presente qu´une iage: l´allégorie étend, developpe la metaphore,  et acumule les images relatives au même objet et dependentes de la meme  metaphore”. 
                    
                  2.       Por sus extensão e complexidade, a alegoria requer maior esforço  imaginativo do que a metáfora; enquanto esta compreende uma única analogia,  aquela há de abranger várias analogias que se sucedem encadeadas. Sirva-nos de  exemplo a estrofe inicial do Navio  Negreiro: 
                    
                           E as vagas após ele correm... cansam 
           coo turba de infantes inquieta. 
                    
                            ENTRA  FIGURA 
                    
                           Suponho  — é uma questão que pertence aos domínios a psicologia da imaginação estética —  que o poeta descubra as analogias de modo simultâneo, em conjunto, e não que  asa vá descobrindo sucessivamente. 
                  3.       Possui Castro Alves o mais rico e  colorido repertório imagístico de nossa poesia romântica, e há nele estimável  número de criações alegóricas. 
           Umas,  como que demos acima, se apresentam na forma mais simples de alegoria, isto é,  são constituídas de dois ou três pares de elos analógicos; outras têm  encadeamento mais extenso. 
           Apreciemos  os exemplos. 
           —  Na vigorosa página descritiva que é A  queimada, ele imagina ser a chama uma  
                                                                ... jiboia informe 
           que  no espaço vibrando a cauda enorme 
                     ferra  os dentes no chão...; 
                    
                  e que as matas — o animal preso e  estortegado por ela —  
                    
                           espadanam o sangue das cascatas 
                     do  roto coração!... 
                    
                           — No poema Prometeu, o semideus supliciado encarna  o povo eternamente oprimido: 
                    
                           Povo! Povo infeliz! povo mártir eterno, 
           tu  és do cativeiro o Prometeu moderno... 
           enlaça-te  no poste  cadeia das leis, 
           o  pescoço do abutre é o cetro dos maus reis 
                               
                           — Na Saudação a Palmares, o heroico quilombo transfigura-se em ousada 
                    
                                      ... barca de granito, 
           que  no soçobro infinito 
           abriste  a vela ao trovão, 
           e  provocasse a rajada 
           solta  a flâmula agitada, 
           as  hurras da marujada, 
           nas  ondas da escravidão 
                                                                149 
                    
                   —  Já noutra poesia — Quando eu morrer —, a alegoria marítima (aliás de origem mitológica) toma feição mortuária,  ultrarromântica: e o cemitério é a 
                    
                                     ... nau do sepulcro... 
           Que  povo estranho no porão profundo! 
           Emigrantes  sombrios que se embarcam 
           para  as plagas sem fim do outro mundo. 
           Têm  os fogos errantes — por Santelmo, 
           têm  por Velame – os panos do Sudário... 
           Por  mastro — o vulto esguio do cipreste 
                                                                                       227 
                    
                            — Na primeira estrofe do  poema Aos estudantes voluntários,  Castro Alves renovou, por inversão antropomórfica, algumas velhas imagens, e  estruturou-as numa interessante alegoria do pensamento, palavra e ação: 
                    
                           O céu é alma... O relâmpago  
           é  uma ideia de luz, 
           que  pelo crânio do espaço 
           perpassa,  brilha, reluz... 
           Depois,  o trovão — é o verbo. 
           Segue-o  o raio — gládio acerbo 
           que  se desdobra soberbo 
           pelos  paramos azuis 
                    
                           No poema A cachoeira de Paulo Afonso, é graças a um belo e original  desdobramento alegórico, que a personificação da tarde se anima, assume caráter cênico: 
                    
                           Hora meiga da tarde! Como és bela 
           quando  surges do azul da zonal ardente! 
           —  Tu és do céu a pálida donzela 
           que  se banha nas termas do oriente... 
           Quando  é gota do banho cada estrela, 
           que  te rola da espádua refulgente... 
           E  — prendendo-te a trança a meia-lua — 
           te  enrolas em neblinas seminua!... 
                    
                           — Ainda nesse mesmo poema se  encontram, a meu ver, as duas mais belas alegorias do poeta: uma é da cachoeira, imaginada, num quadro de  magnífica força épica, como a luta entre a sucuriúba monstruosa — o rio, e o  touro negro — os rochedos por onde a água se despenha: 
                    
                                    ... dir-se-ia que a caudal gigante 
                    —  larga sucuriúba do infinito — 
                     com  as escamas das ondas coruscante, 
                     ferrara  o negro touro de granito!... 
                     Hórrido,  insano, triste, lacerante, 
                     sobe  o abismo um pavoroso grito... 
                     E  medonha, a suar, a rocha brava 
                     as  pontas negras na serpente crava!... 
                    
                           Repare-se no admirável achado das  metáforas finais: a rocha brava a suar e, sobretudo, essas pontas negras, isto  é, os chifres dos rochedos que se cravam na água. 
           A  segunda alegoria vem no final do poema, no diálogo entre o escravo Lucas e sua  companheira, enlouquecida pelo sofrimento. Ao passo que ele, apavorado, vê a  morte próxima, pois a canoa já se abeira do precipício, Maria delira,  imaginando que se apronta, e encaminha para o casamento...  A alegoria representa o seu delírio: 
                    
                           — “Não vês os panos d´água como alvejam 
           nos  penedos? ... Que gélido sudário 
                     o  rio nos talhou!” 
                    
                           Isto diz Lucas; e ela, na antítese de  sua loucura divina: 
                    
                                     —  “ Veste-me o cetim branco do noivado... 
                              Roupas  alvas de prata... alventes dobras... 
                                        Veste-me!  ... Eu aqui estou! ...” 
                                    —  “Já a proa espadana, salta a espuma...” 
                     —  “São as flores gentis da laranjeira 
                                        que  o pego vem nos dar... 
                         Oh! névoa! Eu amo o teu sendal de gaze! ...  
                         Abrem-se as ondas como virgens louras 
                                        para  a esposa passar!...” 
                                     “As  estrelas palpitam — são as tochas! 
                     Os  rochedos murmuram!... são os monges! 
                                        Reza  um órgão nos céus! 
                     Que  incenso!... os rolos que do abismo voam 
                    Que  turíbulo enorme — Paulo Afonso! 
                              Que  sacerdote — Deus...” 
                    
                           Deixei para o fim a referência ao mais  longo encadeamento de metáforas que se encontra em Castro Alves; ele compõe o  borddo imagístico da poesia Rezas,  cujo tema, aliás muito grato aos românticos, é a prece universal das coisas e  dos brutos ao Deus Criador, e que o poeta escuta 
                    
                                     Na hora em que a Terra dorme 
                     enrolada  em frios véus... 
                            Primeiro,  para iluminar o templo, 
                                     acendem-se os bentos círios 
                     dos  vagalumes sutis! 
                    
                           E,  como atos de contrição da alma da natureza, 
                    
                                     Nos boqueirões há soluços...               
                     tem  remorso o vendaval 
                    
                            O mar é como um velho que se  atira humildemente 
                    
                                                        ... de bruços 
                     co´as  barbas pelo areal 
                           Lá  no alto do céu — “claustros ermos e vãos”  —, 
                                     as nuvens ajoelhadas 
                     ..................................... 
                                     passam  as contas douradas 
                     das  estrelas pelas mãos. 
                    
                           Nem falta, em meio à seriedade  religiosa da cena, a graça irreverente da inocência , pois 
                    
                                     a açucena, por criança, 
                     junta  os dedos... reza e ri! 
                    
                           Enquanto a música do sagrado ofício  ressoa na 
                    
                                     ventania que emboca 
                     pela  serra colossal. 
                     É  organista que toca 
                    nos  sifões da catedral. 
                    
                           E, no momento do mea culpa, mea maxima culpa, 
                      
                     Quem sabe se catadupa 
                     bate  nos peitos do chão? 
                    
                    
                           b)  Duas fontes de imagens. 
                      
                           1º. As plantas. 
                    
                                    I,.  Comparar a mulher a uma flor talvez seja o mais velho e natural dos elogios da  poesia amorosa. 
           Lemo-lo,  por exemplo, no lírico Maleagro (epigrama 143, da Antologia Grega): 
                           “Já floresce a violeta branca, abre-se o  narciso, à beir d´água, e os lírios nas montanhas; porém a mais amável de  todas, a flor mais viçosa aberta entre as flores, Zenófila, desabrocha como uma  rosa e exame o seu perfume.” 
                           Dezoito séculos mais tarde, Mallarmé,  o príncipe do Simbolismo, dirá da sua virginal, fria e solitária Herodíade: 
                    
                           Triste fleur flleur qui croit seleu et  n´a pas d´autre émoi 
           que  son ombre dans l´eau vue avec atonie...    
                         
                  Longe no tempo, o hebreu Salomão (se é  que foi ele) assim cantou a sua amada misteriosa: 
                    
                           Bem como é a açucena entre os espinhos, 
           tal  é a minha amiga entre as filhas. 
                    
                           E  o nosso Castro Alves, por coincidência também a uma judia — Ester —, uma das  duas irmãs que namorou: 
                    
                                    Lírio dest´alma... 
                              1º.,  281 
                    
                           Essa mesma Ester, na poesia Pensamento de Amor, é 
                    
                                    rosa  branca da lira de Davi...  
                              1º., 283 
                    
                           Sua  irmã Simi, imortalizada na Hebreia, é  uma 
                    
                                     pálida rosa da infeliz Judeia 
                                                           1º., 40 
                    
                                    ramo de murta a rescender cheirosa 
                                                                           1º.,  40; 
                    
                           A  atriz Eugênia Câmara, a flor que  o poeta  mais amou, e que perdeu: 
                    
                                     Vai, pois, ó rosa, que em meu peito outrora 
                     acalentei  a suspirar e a rir... 
                     Deixas  minh´alma como um chão deserto... 
                                                           1º.,  305 
                           Agreste,  sem nome, é aquela 
                    
                                     mucama tão bonitinha 
                     morena  flor do sertão 
                                                           2º.  174 
                    
                           como  a moça munda é a  
                                    bela  flor das salas... 
                                                          1º. 373 
                   
                             A  retraída Agnese Murri, cantora italiana, que prece tê-lo amado, mas sem dar  mostras de afeto, ele chamou simbolicamente 
                    
                                     casta, suave, serena Violeta 
                    
                           Simbólico igualmente é aquele belo  vocativo, com que o poeta, sentindo-se morrer, chama por uma amante qualquer,  consoladora e anônima, um corpo sem afeto, um flor bonita e sem perfume: 
                    
                                     Vem! Formosa mulher, camélia pálida, 
                     que banharam de pranto as alvoradas 
                                                           1º.  , 55 
                           A  mulher pérfida e maligna os poetas românticos simbolizavam namacenilha (ou  mancinela), árvore euforbiácea, cuja sombra envenena e mata, segundo a crença  popular: 
                    
                                     Errado viajor — sentei-me à alfombra 
                     e  adormeci da mancenilha à sombra 
                               em  berço de setim 
                                                                           1º., 66 
                           Cf.  F. Varela, 1º., 209: 
                    
                                     “A mulher sem amor é mancenilha 
                     das  ermas plagas sobre o chão crescida; 
                     basta-lhe  à sombra descansar uma hora, 
                     que  seu veneno nos corrompe a vida.” 
                    
                           Se a mulher amada é flor, o amante se  torna em aragem que a envolve  e  acaricia: 
                    
                                    Eu fui a brisa — tu me foste a rosa 
                    
                           Lírio, rosa, murta, camélia,  violeta... Há, porém outras flores humanas no jardim poético do nosso  Romantismo: 
                    
                                     Tu és a dália dos jardins da vida... 
                                                           (Varela) 
                   
                     Era  a magnólia aberta e rescendente... 
                                                (A. Braga) 
                    
                                     Tu és o bogarim: querem-te as brisas... 
                                                 (Bruno  Seabra) 
                    
                           Até  mesmo o nome amado pode não se compor de letras ou sílabas, senão de pétalas: 
                    
                                     eu desfolhava de teu nome as pétalas 
                     ao  salso vento que as marés afaga... 
                                                 1º.  375 
                    
                             
                                     2.  Se por simbolização os poetas transfiguram a  mulher numa flor, é comum também formarem com elementos do mundo vegetal as  imagens com que descrevem os atributos físicos femininos. 
           Da  bela Agnese Murri disse C. Alves que tinha 
                    
                           a alma feita de um astro! ... e o corpo, de  um jasmim 
                                                                              1º.  141 
                    
                           Os cabelos negros da “formosa Pepita”  lembrava-lhe a sombra, o perfume e o mistério das florestas: 
                    
                           na selva sombria de tuas madeixas     
                                                 1º.,  48 
                    
                           Aliás,  imagem semelhante já havia ocorrido a Baudelaire, que, como o nosso romântico,  tinha especial atração pela cabeleira feminina, e, no poema “La Chevelure”, chamou-a de “floresta  aromática”: 
                    
                           La langoureuse Asie et la brulante Afrique, 
           tout  u monde lointain, absent presque défunt, 
           vit  dans tes profundeurs, forêt aromatique…   
                           
                           Cf. também, L. Guimarães Junior: 
                    
                  Tranças — ai! tranças formosas! 
                    Cabelo puro e anelado! 
                    Tão negro, tão perfumado 
                    Como as matas tenebrosas. 
            (Sonetos  e Rimas, 147) 
                    
                            Para as tranças e os cachos  a imaginação poética também encontrou símiles nos vegetais: 
                    
                                    os cabelos caíam-lhe anelados 
                     como  doudos festões de parasita 
                                                          2., 134 
                    
                                     eram-lhe as tranças a cair no busto 
                     os  esparsos festões da granadilha 
                                                           2.,  190 
                    
                           E  noutro lugar, por inversão antropomórfica, fala das  
                                     tranças mulheris da granadilha 
                                                           2.,  1973 
                    
                           A  carnação alva e macia dos seios, que, segundo Gonçalves Dias, é feita “de  brancos jasmins”, e para Sousândrade se abre em “esplendores açucenais”, para  C. Alves 
                                      ... a maciez dos lírios                 
                                        1.,  363 
                    
                           As flores vermelhas, mais comumente a  rosa, é que pintam poeticamente a boca; na imagem de C. Alves, além da cor e do  perfume, acresce ainda a doçura... 
                    
                                     beber o mel na rosa dessa boca 
                                                           1.,  452 
                    
                           E  em contrapartida 
                    
                                     ... a natureza fala nas campinas 
                     pelas  vozes das brisas suspirosas, 
                     pela  boca rosada das boninas 
                                                           1.,  361 
                    
                           Os  braços em movimento amoroso são comparados aos cipós: 
                    
                                                       seus  abraços 
                     ----------------------------------- 
                     são  lianas que festejam 
                     os  galhos do piquiá 
                                        1.,  466 
                    
                           Cf.  Sousa Andrade, 2., 63: 
                    
                                     teus braços enlaçavam qual baunilha 
                     ao  tronco da palmeira...; 
                    
                           e num romântico menor, se não me  engano, Bruno Seabra: 
                    
                                     teus braços me apertam, 
                     são  laços de imbé... 
                    
                           Os olhos, que as lágrimas orvalham,  inspiraram ao nosso poeta esta imagem madrigalesca: 
                                     Silvia! Dá-me a bebe a gota d´água 
                     nessa  pálpebra roxa como o lírio 
                                                 1.,  233 
                           3.  Em contraste com a beleza e o viço floral da mulher amada, o poeta figura-se a  si mesmo como um vegetal que se fana, ou é triste por simbolismo tradicional: 
                    
                                      há flores tristes, que nascendo à noite 
                                        só  tem o açoite 
                                        do  cruento sul, 
                     e  sem que um raio lhes alente a seiva 
                                        rolam  da leiva 
                                        do  seu vil paul... 
                     Eu  sou como elas... 
                                                           1.,  27 
                    
                                     sou o cipreste, qu´inda mesmo flórido 
                     sombra  de morte no ramal encerra 
                                                                           1., 56 
                    
                           Vivem  as plantas do sol e da água; o poeta, da criatura amada; ele é o que aquece; 
                    
                                     minh´alma é planta aquecida 
                     nos  teus sorrisos de mulher... 
                                                          1., 447 
                    
                           e  o reanima, quando ferido pela dor: 
                    
                                     eu  sou o lótus para o chão pendido 
                     —  vem ser o orvalho oriental, brilhante... 
                    
                           Se  o tempo e o sofrimento passaram dentro de nós deixando tudo em ruina, podemos  comparar-nos, como fez C. Alves a um 
                    
                                     ... jardim solitário! relíquia do passado! 
                    Minh´alma,  como tu, é um porque arruinado... 
                                                                    1.,  138 
                    
                           E nas ruinas d´alma, acrescentou  noutra poesia, só uma planta 
                    
                                     ... cresce, o caro — a morte — 
                                                 1.,  223 
                    
                           Mas,  felizmente há sempre a esperança da primavera, ou antes, do amor, e tudo  refloresce outra vez: 
                    
                                     o tronco morto, refloriu de novo, 
                     ergueu-se  vivo, perfumado em flor, 
                     abençoando  a primavera amiga, 
                     a  primavera do meu santo amor. 
                                                 1.,  303 
                    
                           E,  então, lhe é dado 
                    
                                    juntar  as rosas da vida 
                     na  rama verde e florida, 
                     na  verde rama do amor. 
                                                 1.,  161 
                    
                           4. Flores e plantas, ou pela sua  pureza, ou pelo seu encanto, simbolizavam igualmente as épocas da vida: 
                    
                                     eu não quero lauréis — quero as rosas da  infância 
                                                                                       1.,  137 
                                    ... os vergéis da adolescência... 
                                                           1.,  79 
                    
                                      assim, minh´alma, um dia adormeceste 
                     na  floresta ideal da ardente mocidade... 
                                                                    1.,  212 
                    
                           Mas  a floresta dos perigos e descaminhos, essa é que melhor se assemelha a nossa  existência: 
                    
                                     Que importa os raios trovejem 
                     nas  florestas do existir? 
                                                      1., 273 
                    
                                     Aliás,  esse metáfora já está no Dante, nos versos iniciais do Inferno: 
                    
                                    “Nel mezzo del camin di nostra vita, 
                     Mi  ritrovai per una selva oscura 
                     Che  la diritta via era sumarrita...” 
                    
                           5.   No poema Melancholia, um dos  mais belos das Contemplations, disse  Vitor Hugo que “as noites e os dias são folhas mortas dos céus”: 
                    
                                     “et les nuits et les jours, feuilles mortes des  cieux...”, 
                    
                  imagem , que se assemelha esta de C. Alves: 
                    
                                     Tenho saudades de meus dias idos 
                    —  pet´las perdidas em fatal paul — 
                     pet´las  que outrora desfolhamos juntos 
                     morenas  filhas do país do sul... 
                                                                    1.,  131 
                    
                           Por  sinal que as folhas caem, ou rolam no chão levadas pelo vento, aparecem com  frequência na temática não só do Romantismo, como do Simbolismo. Está, por  exemplo, na estrofe final daquela célebre e melancólica Chanson d´automne, de Verlaine: 
                    
                                     Et je m´en vais 
                     au  vent mauvais, 
                              qui  m´emporte 
                     deçà,  delá 
                     paréil  a la 
                              féuille  mort... 
                    
                           E, em Castro Alves, nas palavras  tristes da escrava diante do filhinho adormecido, cujo destino ela teme: 
                    
                                     Meu filho dorme... Como ruge o norte 
                     nas  folhas secas do sombrio chão!... 
                     Folha  dest´alma, como dar-te à sorte! 
                     É  tredo, horrível, o feral tufão! 
                                                                    2.,  45 
                    
                            6.  Toda a nossa vida interior — ideias ou  sentimentos — constitui uma estranha e maravilhosa floração; e como tal a  representa a imaginária poética; 
           —  a fantasia e o sonho: 
                    
                                    Almas, que um dia no meu peito ardente 
                    derramastes  dos sonhos a semente, 
                              mulheres que  eu amei! 
                                                                    1.,  182; 
                    
                                     ... abria a fantasia a pétala celeste... 
                                                                    1.,  212 
                   — a inspiração e a poesia: 
                      
                     E como o cactos, desabrocha a medo, 
                     das  noites tropicais na mansa calma, 
                     a  estrofe entreabre a pétala mimosa 
                     perfumada  da essência de sua alma 
                                                           1.,  204 
                    
                                     Senhora, eu vos dou versos, porque apanho 
                     das  flores d´alma um ramalhete agreste, 
                     e  são versos a flora perfumada 
                     que  do meu seio a solidão reveste 
                                                           1.,  360; 
                    
                   — a inspiração épica, esta tem que ter 
                    
                                               um plectro bizarro e majestoso, 
                     alto  como os ramais da sucupira 
                                                           1.,  241 
                  — um segredo de amor, que vive 
                    
                                    oculto  ao mundo como a flor silvestre 
                     escondida  no vale a vicejar... 
                                                                    1.,  262; 
                    
                           7.  São comuns as imagens fitomórficas do céu e dos corpos celestes; quem não se  lembra, por exemplo, daqueles belos versos de Camões: 
                    
                                     e as estrelas no céu apareciam, 
                     qual  campo revestido de boninas... 
                    
                           Colhi  estas em nosso romântico: 
                    
                                              ... o cálice azulado 
                     — da etérea flor, à  noite, debruça-se p´ra o mar... 
                                                                              1.,  302 
                                     Vem! os astros emurchecem... 
                     Só  resta um deles nos céus... 
                     Seus  raios grandes parecem 
                     as  pétalas da magnólia... 
                     É  a estrela que se esfolha 
                     quando  a noite diz adeus 
                                                 1.,  466 
                    
                                     A estrela sai das folhas do infinito... 
                                                 1.,  231 
                    
                           2º  ) O vento. 
                    
                           Quando  atrás estudei os polos semânticos do vocabulário de Castro Alves, tive a  ocasião de dizer que a palavras vento (ou vendaval, ventania, tufão...) era  uma de suas favoritas. Aliás não é difícil entender que houvesse uma afinidade  cósmica entre essa força da natureza, de notável significação mítica, e o  espírito inquieto e impetuoso do poeta; e por isso, decerto, é que ela aparece  com tanta frequência em seu imagismo, sobretudo como componente metafórico. 
                   
                             a)  Por animização estética (vestígio, quem sabe? Do antropomorfismo primitivo), os  poetas ouvem no vento uma voz da natureza. Que o testemunhe um deles, o  romântico Shilley, nestes versos dedicados ao sem contemporâneo morto  Coleridge: 
                    
                                    Conversavas com os ventos da montanha, 
                     com  as fontes murmurejantes, 
                     com  os mares enluarados, 
                     que  são todos uma voz misteriosa... 
                    
                           E o vento lhes soa quase sempre como  voz triste e lamentosa: é gemido e soluço, como nestes passos de Castro Alves: 
                    
                                     nos abetos da serra a ventania 
                   
                                       tinha  gemidos longos, delirantes                   
                                                                             1.,  190 
                                     e como único lamento 
                     passa  rugindo o tufão 
                                            2., 9- 
   
                     e  as ventanias errantes, 
                     pelos  ermos perpassando, 
                     vão-se  ocultar soluçando 
                     nos  antros da escuridão 
                                           2., 92 
                    
                                     escutando  as ventanias 
                     vagas,  tristes profecias 
                     gemerem  na escuridão 
                                          2.,  163 
                    
                           Mas quando a floresta ou o universo  aparecem aos olhos do poeta transfigurados num templo, o vento — é uma voz a  rezar — 
                    
                                    Vem!  nós iremos na floresta densa 
                     onde  na arcada gótica suspensa 
                              reza  o vento feral 
                                                          1., 73 
                    
                           —  ou evoca os sons do instrumento sagrado: 
                    
                                     a ventania — é o órgão que enche a nave  extensa... 
                    
                           No Navio  Negreiro também é música, juntando-se ao fragor das ondas, como violinos da  sinfonia marítima: 
                    
                                     orquestra — é o mar que ruge pela proa        
                     e  o vento que nas cordas assobia... 
                    
                           b) Num trabalho clássico sobre a  imaginação, o psicólogo Dugas (L´Imagination,  Paris, 1903),  observ: “ L´imagintion, em  um mot, parait être panthéistique de sa nature.   Elle n´admet qu´il ait deux mondes: l´um gouverné  par des lois naturelles, l´autre, par les  lois de l´esprit. La nature du même univers, de la même nature.”.  E esse caráter panteísta — tão acentuado na  imaginação poética —, se por um lado tende a projetr sentimentos humanos na  natureza, por outro, assimila fenômenos e aspectos desta última ao seu  psiquismo. 
                           Assim,  por exemplo, nestas imagens de Castro Alves, em que o vento é a voz confusa, só  por ele ouvida, a elevar-se das multidões: 
                    
                                     zombam  do bardo atento,         
                     curvo  ao murmúrio do vento 
                              nas  florestas do existir 
                                                                           1º.,  111 
                    
                           Ou naqueles em que é símbolo dos sentimentos que agitam e  transtornam a alma humana, dos infortúnios que sobre ela se agitam. — Esta  metáfora aparece em quase todos os românticos: 
                    
                                     E um dia o vendaval do desengano 
                     varre-lhe  as flores do jardim da vida 
                                                        Casimiro, 348 
                    
                                     E fiquei só mundo, e o céu escuro 
                     sinistro  me anuncia no futuro 
                     horríveis  vendavais 
                                        Franco  de Sá, 58 
                    
                                     o tufão da descrença desvairou-se 
                     por  desertos sem fim... 
                                                        Bernardo Guimarães, 47 
                    
                                     o lago interior de um peito virgem       
                     que  os ventos da paixão não agitaram 
                                                        Gonçalves Dias 
                   
                   
                   E em Castro Alves: 
                    
                                     Mas quando os vendavais rugindo passam  n´alma, 
                     quem  pode resguardar a pálida lanterna? 
                                     bem  sei que um dia o vendaval da sorte 
                     do  mar lançou-me na gelada areia... 
                                                        1º., 35 
                    
                  e o ser humano é então a árvore ou o  pássaro castigados pela fúria do vento: 
                                     ave — te espera da lufada o açoite... 
                                                        2º. 45 
                                     palmeira — as ventanias te romperam 
                                        2º.,  207 
                                     eu — andorinha entregue aos vendavais do  inverno 
                     em  seu seio escondi-me... como à noite 
                     incauto  colibri, temendo o açoite 
                              das  iras do tufão 
                     a  cabecinha esconde sob as asas 
                                                        1º., 168 
                           Da  analogia estabelecida entre vento e castigo, se originou a imagem  
                  açoite do vento, que vemos neste último  exemplo, e ainda aqui: 
                    
                                     minha garupa sangra, a dor poreja 
                     quando  o chicote do simum dardeja 
                              o  teu braço eternal 
                                                        2º., 141 
                   
           A morte é golpe de vento frio que  apaga a chama da vida: 
                    
                                                                 fria rajada      
                                     sinto  que do viver me extinga a lampa... 
                                                        1º., 57 
                    
                           Nos  poemas de conteúdo épico-social, o vento simboliza a força destruidora do povo  rebelado: 
                    
                                     Esperar, mas o quê?  que a populaça            
                     —  este vento que tronos despedaça... 
                                        2º.,  166 
                    
                  Ou o impulso irresistível do heroísmo: 
                    
                                     trema o céu de trovões carregado 
                     ao  passar da rajada de heróis 
                                        2º.,  74 
                    
                           É  por ele que os escravos dos Palmares mandam o seu desafio guerreiro: 
                    
                                     lança o grito da livre coorte, 
                     lança,  ó vento, pampeiro da morte, 
                     este  guante de ferro ao senhor 
                                                        2º., 72 
                    
                    
                           c.  Mas também são muitos os aspectos favoráveis e benéficos do vento: por exemplo,  quando carrega e dispersa o pólen, ou quando nos traz de longe o aroma das  plantas. Daí dizer Castro Alves: 
                    
                                     P´ra nós o vento da esperança 
                     traz  o pólen do porvir 
                                                        2º.,  26 
                    
                  ou ainda, que outrora 
                    
                                     o pó da catequese aos quatro ventos 
                               revoava  nos céus... 
                     Floria  após na Índia, ou na Tartária, 
                    No Mississipe, no Peru, na Arábia, 
                              uma  palmeira — Deus! 
                                                        1º., 115 
                    
                            Possivelmente, a associação  entre vento e lembrança, que se contém na seguinte metáfora: 
                    
                                     Oh! meu amigo! neste doce instante 
                     o  vento do passado em mim suspira 
                                                        1º., 168 
                    
                   Proveio da eu é feita, no início da poesia,  entre a saudade e “um perfume de  longínquas plagas”, 
                    
                           Alvares  de Azevedo fala em “ brisa da saudade” 
                                                                           (2º,  121) 
                    
                           Aliás,  noutro lugar, C. Alves faz uma curiosa imagem para misturar o vento e o  perfume: 
                    
                                     o vento campesino bene ardente 
                     o  agreste aroma da floresta virgem 
                                                        2º., 133 
                    
                    
                           d.  Vejamos agora, para terminar, as imagens zoomórficas relativas ao vento, e que  constituem de certo modo um processo de animação. 
           Todas  a mitologias divinizam os ventos como seres alados, e a poesia conservou  vestígios disso em metáfora como as asas  do tufão (G. Dias, 1º., 324), nas asas  de noturnos ventos (F. Varela, 3º., 324), asas da tempestade (Laurindo Rabelo, 31). 
                           Mas  em Castro Alves, neste particular, só encontrei a imagem ultra-romântica,  noturna, do vento comparado a um cão que uiva: 
                    
                                     Não ouvis? a ventania 
                     ladra  à Lua como um cão 
                                        1º,  64 
                    
                                     uiva  o tufão nas dobras do seu manto,  
                     como  um cão do senhor ulula aos seus pés; 
                                                        1º.,  102 
                    
                  ou que agarra as vestes de alguém: 
                    
                                     Cavaleiro, onde vais? Tu não sentes 
                     teu  capote seguro nos dentes 
                     e  nas garras do negro tufão? 
                                                        2º.,  80 
                    
                  
                    
                      
                        
                          
                            ****** 
                             
                           
                         
                       
                     
                   
                                      
                                        
                            
                    
                             
                    
                                      
    
                    
                    
                                                                  
                                                                                     
                   
                                                         
                                                                  
                                                                  
                                                         
                      
                                      
    
                                                         
                    
                    
             
                   
                                         
                                                                             
                                      
            
                    
                
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